Darlan Javaer Schimitt[1]
Ricardo Machado[2]
Blumenau passa por dois movimentos diferentes e complementares que constroem sua urbanização e as experiências humanas no espaço da cidade. De um lado, um profundo investimento na folclorização do cotidiano através de uma estética kitsch,[3] que foi iniciado nos anos 1980, e levou para um contínuo investimento econômico e discursivo na identidade germânica e surgimento de uma cidade parque-temático. Erigida como uma cidade cenográfica, feita para o turista e por isso carregada de simulacros, Blumenau tornou-se um dos exemplos típicos da sociedade do espetáculo.[4] O curioso é que este dito “resgate” da identidade local, nada mais tem feito do que garantido um processo de homogeneização do espaço, já que não dialoga com o cidadão local e sim com o turista acidental. Por isso, se torna urgente uma maior problematização dos lugares de memória da cidade. Não se trata de buscar distinguir aquilo que é mais ou menos verdadeiro, mas, sobretudo, reconhecer e estimular a reflexão sobre os investimentos sociais e institucionais sobre a memória. Afinal, lembrar e preservar, significa também esquecer e destruir. E o espaço urbano através de suas ruas, construções e monumentos se tornam uma das formas de ler a narrativa sobre a história de uma sociedade.
Diante desta leitura dos processos de alterações urbanísticos na cidade de Blumenau, que buscamos a necessidade de realizar o projeto visando refletir sobre as questões relacionadas e história local, os investimentos discursivos na memória através da política patrimonial e as possibilidades de vivências urbanas. A autora Paola B. Jacques define que este processo de “espetacularização das cidades está diretamente relacionado com a diminuição da participação popular, mas também a ausência da própria experiência física enquanto prática cotidiana, estética e artística” (JACQUES, 2005.p. 16). É preciso reafirmar as relações entre o corpo físico e o corpo da cidade, ou seja, o simples ato de andar pela cidade pode assim se tornar uma crítica ao urbanismo e enquanto disciplina prática de intervenção nas cidades. Assim, com um olhar interessado pela paisagem e pelas pessoas, compreendemos a cidade como uma texto que vem sendo escrito pela humanidade através dos diferentes conceitos estéticos, políticos e econômicos. Afinal, como definiu Pesavento, as ruas acabam abrigando tanto “os grandes acontecimentos como os pequenos incidentes do cotidiano”(PESAVENTO, 1992. p.8)
Ao lideramos com estas reflexões que surgiu o projeto “Patrimônio em movimento: história, memória e cidade”. Através dele buscamos sensibilizar a relação dos sujeitos com a memória e a política de patrimônio na cidade, bem como, discutir as relações entre memória e cotidiano nos processos de construção dos espaços urbanos. Para isso, será realizado um processo de formação teórica e técnica em educação patrimonial e fotografia, visando qualificar a discussão e sensibilizar a observação. Em seguida, realizaremos quatro caminhadas com roteiros previamente estabelecidos, objetivando discutir o patrimônio cultural e proporcionar reflexões sobre vivências urbanas através destas caminhadas.
Por último, é preciso afirmar que não tomaremos como patrimônio somente os espaços definidos pelo poder público local e estadual. Os “lugares de memória[5]” elencados pela própria vivência citadina, são os espaços pouco discutidos no cotidiano. Desta maneira, ao longo do processo serão feitos registros fotográficos, posteriormente apresentados em uma exposição e a constituição de acervos de novos registros sobre os espaços da cidade.
[1] Graduado em História pela Universidade Regional de Blumenau - FURB e aluno do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em História do Tempo Presente da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Atua como servidor no Centro de Memória Universitária da FURB.
[2] Graduado em História pela Universidade Regional de Blumenau - FURB e mestre em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Atualmente é professor do curso de História da FURB.
[3] Como já longamente foi discutido pela historiadora Maria Bernadete Ramos Flores na obra Oktoberfest (FLORES, 1998).
[4] Fazendo referência ao conceito de DEBORD (1997). Além dele, autores contemporâneos como Paola Berentein Jacques fazem uso da sociedade do espetáculo para discutir as apropriações das experiências urbanas pelo capital. (JACQUES, 2003)
[5] “Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notoriar atas, porque essas operações não são naturais.” (NORA, 1993, p.13)
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