Cidade do Vale do Paraíba destruída pelas chuvas vai ganhar centro de formação interdisciplinar para atuar na recuperação
A inundação da virada do ano produziu cenas dramáticas em São Luís do Paraitinga, no Vale do Paraíba, com a destruição de dezenas de imóveis tombados dos séculos 18 e 19. Depois de virar um canteiro a céu aberto para arquitetos, engenheiros, historiadores, arqueólogos e antropólogos empenhados na sua reconstrução, Paraitinga vai se transformar num centro de formação interdisciplinar para estudantes universitários.
Coordenado pelo professor de Urbanismo e Planejamento da Unesp José Xaides de Sampaio Alves, o projeto de ensino pretende levar a Paraitinga alunos de graduação e pós de cursos relacionados à reconstrução, como Arquitetura, História, Artes Plásticas, Engenharia e Museologia, entre outras carreiras. “Queremos, além de tudo, gerar um turismo técnico que incentive a economia local”, explica.
As lições de Goiás VelhoAlves participa de um grupo interdisciplinar da Unesp que propôs, na semana passada, desenvolver em Paraitinga ações em suas respectivas áreas. “Não é um trabalho com viés acadêmico, mas com certeza pode gerar um resultado científico.” Na equipe há desde professores da área de saúde, principalmente psiquiatras e psicólogos, dispostos a trabalhar com moradores traumatizados com a inundação, a especialistas de engenharia hidráulica, preocupados com a contenção de enchentes na cidade.O caráter interdisciplinar do trabalho desenvolvido desde a enchente não é uma exclusividade de Paraitinga. Segundo profissionais que trabalham com preservação, o conceito de patrimônio tem se ampliado nos últimos anos. “Isso engloba o meio ambiente, o edificado e também o imaterial e intangível”, afirma a historiadora Salma Saddi de Paiva, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de Goiás. O objetivo é reconstruir os prédios com tudo que se possa aproveitar, numa tentativa de manter sua “alma” – e de evitar transformá-los em fantasmas, que apenas lembrem o original. “O bem imóvel se perdeu, mas o que ele representa deve permanecer”, diz o arquiteto Leonardo Falangola, do Iphan de São Paulo.Para que o trabalho seja bem-sucedido, o envolvimento da população é essencial, explica a antropóloga Simone Togi. “Temos que fazer um levantamento do que representam essas construções, as relações com as manifestações culturais e, por meio de um olhar antropológico, entender como as pessoas sentem a reconstrução”, diz Simone, funcionária do Iphan de São Paulo.“Ao mesmo tempo, tudo isso é cal, pedras, tijolos e valores culturais”, afirma o arquiteto Sérgio Galeão. Ele levou a Paraitinga a experiência vivida como chefe do escritório técnico do Iphan em Pirenópolis, Goiás, onde a Igreja Matriz foi integralmente reconstruída depois de consumida por um incêndio em 2002.Assim como em Goiás, o foco principal dos especialistas em Paraitinga são igrejas: a da Matriz, do século 19, e a capela de Nossa Senhora das Mercês, do século 18. Técnicas de arqueologia estão sendo aplicadas no trabalho: lonas protegem pedaços de forro e vigas de madeira que ainda não foram retiradas dos escombros. Todo o material será peneirado. Apenas cacos de telhas e lama vão ser descartados.Um dos tesouros da capela foi salvo por um morador, que resgatou, do meio da lama, a imagem da Nossa Senhora das Mercês, do século 17. O restaurador João Dannemann, professor da Universidade Federal da Bahia, esteve no local e fez uma análise preliminar. “É uma peça rara, de barro cozido, mas com o interior maciço e argiloso, e não oco como se vê na maioria dos casos.
Segundo Dannemann, embora a premissa da reconstituição de peças religiosas seja chegar o mais perto possível do original, o processo não é somente técnico. “Tem de haver o apoio de uma contextualização histórica.” A santa passa por uma secagem natural, recomendada pelo restaurador – que espera a autorização do Iphan para começar a trabalhar na imagem.
Outro colaborador do Iphan, o arqueólogo paulista Paulo Zanettini, foi chamado emergencialmente para analisar a capela das Mercês e apresentou um projeto sobre a preservação de possíveis túmulos existentes na área. “Há uma lápide na igreja que indica que lá estaria enterrada uma benfeitora da capela, chamada Maria Antonia dos Prazeres.”O projeto de Zanettini, que aguarda o aval do Iphan, propõe estender a pesquisa arqueológica para toda a área de Paraitinga atingida pela inundação. “Em um local histórico como esse, é importante identificar a origem dos materiais e entender por que certas obras resistiram. Além disso, algumas pessoas estão intervindo nos imóveis sem critérios”, diz o antropólogo.
Pelos cálculos do Iphan, apenas o processo de resgate e seleção do material das pilhas de escombros levará cerca de seis meses. Paralelamente a isso, especialistas discutirão a técnica a ser utilizada na reconstrução, se vão adotar as originais das edificações – principalmente pau a pique e taipa de pilão – ou métodos modernos. Galeão diz que uma coisa é certa: a ênfase na segurança das edificações. “Os prédios serão idênticos, mas não se pode permitir que um templo caia duas vezes.”
Fonte: reportagem publicada no Estadão
Publicado em: 01/03/2010 (http://aber.locaweb.com.br/v2/noticia.php?IdNoticia=2259)
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